SOBRE LIVROS E LEITURAS
"E ainda uma coisa: havia um livro aberto sobre a mesa. Nesse café ninguém jamais abrira um livro sobre a mesa. Para Tereza, o livro era sinal de reconhecimento de uma fraternidade secreta. Contra o mundo de grosseria que a cercava, não tinha efetivamente senão uma arma: os livros que pedia emprestados na biblioteca municipal; sobretudo os romances: lia-os em quantidade, de Fielding a Thomas Mann. Eles não só lhe ofereciam a possibilidade de uma evasão imaginária, arrancando-a de uma vida que não lhe trazia nenhuma satisfação, mas tinham também para ela um significado como objetos: gostava de passear na rua com um livro debaixo do braço."
(Do livro "A insustentável leveza do ser", Milan Kundera / Ilustração: reprodução)
“Quando escrevo, não penso no leitor (porque o leitor é um personagem imaginário) e não penso em mim mesmo (talvez “eu” também seja um personagem imaginário), mas penso no que transmitir e faço de tudo para não estragá-lo. Quando eu era jovem, acreditava na expressão. Eu lera Croce, e a leitura de Croce de nada me serviu. Eu queria expressar tudo. Pensava, por exemplo, que, se precisava de um pôr do sol, devia encontrar a palavra exata para o pôr do sol – ou melhor, a mais surpreendente metáfora. Agora cheguei à conclusão (e essa conclusão talvez soe triste) de que não acredito mais na expressão: acredito somente na alusão. Afinal de contas, o que são palavras? As palavras são símbolos para memórias partilhadas. Se uso uma palavra, então vocês devem ter alguma experiência do que essa palavra representa. Senão a palavra não significa nada para vocês. Acho que podemos apenas aludir, podemos apenas tentar fazer o leitor imaginar.”
(Das releituras do belo "Esse Ofício do Verso", de Jorge Luis Borges / Foto: reprodução)
"Continuo a fazer de conta que não sou cego, continuo a comprar livros, continuo a encher a minha casa de livros. Há dias ofereceram-me uma edição de 1966 da Enciclopedia Brockhaus. Senti a presença física desse livro na minha casa, senti-a como uma espécie de felicidade. Ali estavam os vinte e tantos volumes, escritos numa letra gótica que sou incapaz de ler; com os mapas e gravuras que não posso ver; e, todavia, o livro estava ali. Senti como que a gravitação amistosa do livro. Penso que o livro é uma das possibilidades de felicidade concedida aos homens."
(Jorge Luis Borges / Foto: Borges em Buenos Aires)